(José Luis Gordo / Mário Rainho)
Disseste, vem ver a lua
Eu debrucei-me à janela
Confesso na minha rua
Nunca vi coisa mais bela
Ganhámos a madrugada
Como um barco ganha ao mar
Somos por tudo e por nada
Esta forma de gostar
Quando o sol rasga a manhã
E trás na boca um sorriso
Nós sabemos que amanhã
Nada mais nos é preciso
Ao fim da tarde o poente
Num compromisso calado
Diz que somos outra gente
Mas somos o mesmo fado
Ao fim da tarde o poente
Num compromisso calado
Diz que somos outra gente
Mas somos o mesmo fado
(José Luís Gordo / Alfredo Duarte)
Senhora do Livramento
Livrai-me deste tormento
De a não ver há tantos dias
Partiu zangada comigo
Deixou-me um retrato antigo
Que me aquece as noites frias
Senhora que o pensamento
Corre veloz como o vento
Rumando estradas ao céu
Fazei crescer os meus dedos
Pra desvendar os segredos
Dum céu que não é só meu
Senhora do céu das dores
Infernos, prantos, amores
A castigar tanto o norte
Porque é que partiste um dia
Sofrendo a minha agonia
E não me roubaste a morte
(Mario Rainho / Georgino De Sousa)
Silencio, nem uma pena
Quero a minha alma serena
Sem soluços na cidade
Sequei meus olhos chorados
Pus no peito cadeados
Para não entrar a saudade
Numa atitude mais louca
Pousei sobre a minha boca
Rosas, fogo de quem ama
Pra se me vencer a fome
De querer gritar teu nome
Meus lábios fiquem em chama
Mas a noite é um segredo
Confesso que tenho medo
E ao mesmo tempo desejos
De ouvir silêncios rasgados
De quebrar os cadeados
De te queimar com os meus dedos
(Álvaro Duarte Simões)
Ninguém consegue,
Por muito forte que seja
Alcançar o que deseja
Seja qual for a ambição
Se não tiver
Dando forma ao seu valor
Uma promessa de amor
Que alimenta uma ilusão
Uma mulher é como uma guitarra
Não é qualquer que a abraça e faz vibrar
Mas quem souber o modo como a agarra
Prende-lhe a alma, às mãos que a sabem tocar
Por tal razão se engana facilmente
Um coração que queria ser feliz
Guitarra triste que busca um confidente
Não mãos de quem não sente
O pranto que ela diz
Não há ninguém
Que não peça à própria vida
A felicidade merecida
Para que um dia nasceu
Mas de tal forma
A vida sabe mentir
E a gente chega a sentir
O bem que ela não nos deu
(Mário Rainho / Armando Machado)
Naquele tempo nós dois
Tínhamos manhãs de sois
Dias tristes eram poucos
Nessa era adolescente
Éramos ‘dez reis’ de gente
Mas completamente loucos
Enquanto no céu bailavam
Andorinhas que chegavam
Antecedendo o verão
Nós descuidados brincando
Sem querer íamos jogando
Um jogo de sedução
Entre beijos escondidos
E desejos proibidos
Como fosse fogo posto
Pelas minhas graças mais tolas
Ramalhetes de papoilas
Vinham pousar em teu rosto
Que memoria, que loucura
Me transporta hoje à lonjura
De verdes campos, lençóis
Deixai-me sombras de infância
Contar a esta distancia
Naquele tempo, nós dois…
(João Ferreira-Rosa)
Acabou o arraial
Folhas e bandeiras já sem cor
Tal qual aquele dia em que chegaste
Tal qual aquele dia, meu amor
Para quê cantar
Se longe já não ouves
O nosso canto ainda está na fonte
E o nosso sonho, nas estrelas do horizonte
Ainda nasce a lua nos moinhos
Ainda nasce o dia sobre os montes
Ainda vejo a curva do caminho
Ainda o mesmo som, a mesma fonte
Sabes meu amor não estou sozinho
Pelas salas do silencio em que te escuto
Abro as janelas ainda cheira a rosmaninho
Vejo-me ao espelho, ainda vejo luto
(José Luis Gordo)
Trago Alentejo na voz
Do cantar da minha gente
Ai rios de todos nós
Que te perdes na corrente
Ai planícies sonhadas
Ai sentir de olivais
Ai ventos na madrugada
Que me transcendem demais
Amigos, amigos
Papoilas no trigo
Só lá eu as tenho
E de braço dado contigo a meu lado
É de lá que eu venho
E de braço dado
Cantando ao amor
Guardamos o gado, papoilas em flor,
Que o vento num brado
Refresca o calor
E de braço dado, contigo a meu lado
Cantamos o amor
Ai rebanhos de saudades
Que deixei naqueles montes
Ai pastores de ansiedade
Bebendo água nas fontes
Ai sede das tardes quentes
Ai lembrança que me alcança
Ai terra prenhe de gente
Nos olhos duma criança
(Jorge Fernando)
Senhora desconheço seus cuidados
Mas vejo-lhe no rosto desamores
Tão triste faz lembrar-me tristes fados
Onde o amor só rima com a dor
Senhora seu semblante me fascina
Quando olho em seu rosto e me entristeço
Não sei se me revela ou me domina
Mas sei que é nele que me reconheço
Senhora há algo em si de tão divino
Que acorde esta emoção a que me dou
No homem que hoje sou há um menino
Que anseia agradecer-lhe o ser que sou
Senhora amargura-me o seu pranto
Sem lhe poder dizer culpado sou
Nos olhos que lhe vejo o amor é tanto
Que fico nesta duvida em que estou
Senhora a quem fui eu ofender
Porque busquei caminhos não usados
Que sofrimento é vê-la sofrer
Tão triste, faz lembrar-me tristes fados.
(Mário Rainho / Ricardo Cruz)
Noite despida sem lua
Na imensidão da cidade
Aonde não me conheço
O silêncio veste a rua
Anda de ronda a saudade
E eu por ti não adormeço
Noite despida sem horas
No quarto do abandono
Solidão por almofada
Em que lugar te demoras
Meu amor tarda-me o sono
E é tão perto a madrugada
Noite despida de tu
Do tempo mais que parado
A gritar-me à cabeceira
Eu num choro quase mudo
Hei-de esperar-te acordado
Nem que leve a vida inteira
(José Luis Gordo / António Zambujo / Ricardo Cruz)
Fado, meu veneno desejado
Meu amigo alcantarado
Varanda do meu jardim
Fado meu universo, meu tudo!
Se te canto fico mudo
Parado dentro de mim…
Fado, quando te vou procurar
Caminho ruas de mar
Nas praias do teu passado
Fado, às caravelas erguido
És o mar dos meus sentidos
Meu veneno desejado
Fado, meu poeta, meu destino
Que dás luz ao meu caminho
Com olhos rasos de pranto
Fado, rosa dos ventos da vida
Cais de chegada e partida
Senhor dos poetas que canto.
(José Luis Gordo / Mário Rainho / António Zambujo)
Ai terra da minha gente
Trigueira de solidão
A tua voz tão presente
Grita dos campos do pão
Mas grita como quem canta
Os silêncios do pastor
Quando a alma se agiganta
Morremos quase sem dor
Mas não morremos sozinhos
Nem chegamos a morrer
Que os cheiros dos teus caminhos
Nos obrigam a viver
A viver como quem molha
A boca seca num beijo
Ai terra que se desfolha
Ai pranto chão, Alentejo!
(José Luis Gordo / Pedro de Lafões)
Entre a água dos meus olhos
Salgada por te não ver
Ofereço todos os sonhos
Aos campos do nosso querer
Sobre o rio da minha vida
Entorno saudades tuas
Andam saudades perdidas
No minguante das luas
Que pranto me lava a cara
Por quem choro este tormento
Que alma então me rasgara
Tão profundo sentimento…
Este silencio amarrado
Que grita dentro de mim
Não é tristeza, nem fado
Mas o principio do fim!