Guia 2010

1. Guia

(Pierre Aderne / Marcio Faraco)
 
Atravessei o oceano
Sem o teu amor de guia
Só o tempo no meu bolso
E o vento que me seguia
 
Venci colinas de lágrimas
Desertos de água fria
Tempestades de lembranças
Mas tu já não me querias mais, mais
Tu já não me querias mais
 
Procurei a terra firme
Em cada onda que subia
O sol cegava meus olhos
Toda a noite eu te perdia
 
Lá dentro no pensamento
Virou tudo nostalgia
Água, sal e sofrimento
Porque tu não me querias mais
Tu não me querias mais
 
Já era Agosto, quando acordei na praia
E vi chegar a primavera, fiz nova cama de flores
Lembrei de todas as cores, cantei baixinho pra elas
 
Hoje falo em segredo, nessa paixão esquecida
Pra não acordar saudade, pra não despertar o medo,
Pois um amor de verdade, sonha pró resto da vida.
 
Mas tu já não me querias mais,
Tu já não me querias mais…
Tu já não me querias mais…

2. Apelo

(Fado Perseguição - Vinicius de Moraes / Carlos da Maia)
 
Ah, meu amor não vás embora
Vê a vida como chora
Como é triste esta canção
Não eu peço não te ausentes
Pois a dor que agora sentes
Só se esquece no perdão
 
Ah, minha amada perdoa
Pois embora ainda doa
A tristeza que eu causei
Eu peço não destruas
Tantas coisas que são tuas
Por um mal que já paguei
 
Minha amada, se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu
Se soubesses no momento
Todo o arrependimento
Como tudo entristeceu
 
Se soubesses como é triste
Eu saber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus
Meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus

3. Não me dou longe de ti

(João Monge / Alfredo dos Santos)
 
Não me dou longe de ti
Nem em sonhos eu consigo
Ter alguém no meio de nós
Só Deus sabe o que pedi
Para tu ficares comigo
E ouvires a sua voz
 
Só eu sei o que sofri
Quando sonhava contigo
E abria os olhos a sós
 
Sabes da minha fraqueza
Onde a faca tem dois gumes
Onde me mato por ti
É da tua natureza
Cortar-me o peito em ciúmes
E eu finjo que não morri
 
Mas é da minha tristeza
Esconder no fado os queixumes
E a cantar entristeci
 
À noite voltas de chita
Com duas flores no regaço
E tudo o que a Deus pedi
És tão minha, tão bonita
És a primeira que abraço
Aquela em que me perdi
 
Nem a minha alma acredita
Que me perco no teu passo
Não me dou longe de ti
 
Assim te quero guardar
Como se mais nada houvesse
Nem futuro, nem passado
De tanto, tanto te amar
Pedi a Deus que trouxesse
O teu corpo no meu fado

4. A tua frieza gela

(Maria do Rosário Pedreira / António Zambujo)
 
Queria ser teu namorado,
Morar dentro dos teus olhos;
Perder-me nos muitos folhos
Do teu vestido encarnado.
 
Mas tu ficas à janela
Sem ver sequer quando eu passo;
E a tua frieza gela
O calor do meu abraço.
 
Queria pegar-te na mão,
Deixar-me levar às cegas;
Perder-me nas muitas pregas
Do teu vestido de Verão.
 
Mas tu nem olhas para mim
Não sabes que te desejo,
Deixas um gosto ruim
Na doçura do meu beijo.

5. Readers Digest

(Miguel Araújo Jorge)
 
Quero a vida pacata que acata o destino sem desatino
Sem birra nem mossa, que só coça quando lhe dá comichão
À frente uma estrada, não muito encurvada atrás a carroça
grande e grossa que eu possa arrastar sem fazer pó no chão
e já agora a gravata, com o nó que me ata bem o pescoço
para que o alvoroço, o tremoço e o almoço demorem a entrar
quero ter um sofá e no peito um crachá quero ser funcionário
com cargo honorário e carga de horário e um ponto a picar
 
Vou dizer que sim, ser assim assim, assinar a readers digest
haja este sonho que desde rebento acalento em mim
ter mulher fiel, filhos, fado, anel, e lua de mel em França
abrandando a dança, descansado até ao fim
 
Quero ter um t1, ter um cão e um gato e um fato escuro
barbear e rosto, pagar o imposto, disposto a tanto
quem sabe amiúde brindar à saúde com um copo de vinho,
saudar o vizinho, acender uma vela ao santo
Quero vida pacata, pataca, gravata, sapato barato
basta na boca uma sopa com pão, com cupão de desconto
emprego, sossego, renego o chamego e faço de conta
fato janota, quota na conta e a nota de conto
 
Vou dizer que sim ser assim assim assinar a readers digest
haja este sonho que desde rebento acalento em mim
ter mulher fiel, filhos, fado, anel, e lua de mel em França
abrandando a dança, descansado até ao fim

6. Zorro

(João Monge / João Gil)
 
Eu quero marcar um Z dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
P'ra te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte face vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim
 
Eu quero ser para ti o camisola dez
Ter o Benfica todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção
Se assim faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha ultima jogada
E marco um golo com a minha mão
 
Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
«Foi fácil. Ela é que pediu!»

7. A deusa da minha rua

(Jorge Faria / Newton Teixeira)
 
A deusa da minha rua / Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar / Nos seus olhos eu suponho
Que o sol, num dourado sonho / Vai claridade buscar
 
Minha rua não tem graça / Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz / Ah ruazinha modesta
É uma paisagem de festa / É uma cascata de luz
 
Na rua uma poça d´água / Espelho da minha mágoa
Transporta o céu / Para o chão
Tal qual o chão de minha vida
Minh´alma comovida / E o meu pobre coração
 
Espelho da minha mágoa / Meus olhos
São poças d´água / Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre/ Eu sou plebeu
E ela é nobre / Não vale a pena sonhar …

8. Toada Alentejana I
9. Quase um fado

(Rodrigo Maranhão)
 
Trago no peito segredos, amores confessos, ocultos desejos
O tempo apressado o beijo partido,
Inteiro aos pedaços da vida, eu duvido
Trago no peito um segredo dos mares que desafio,
 
Trago no peito meu mundo, fagulha, centelha, amor vagabundo
Que bate calado o seu bate-fundo,
E sempre navega pró mesmo lugar
Trago no peito o segredo dos mares por navegar.

10. Barroco tropical

(José Eduardo Agualusa / Ricardo Cruz)
 
O amor é inútil: luz das estrelas
a ninguém aquece ou ilumina
e se nos chama, a chama delas
logo no céu lasso declina.
 
O amor é sem préstimo: clarão
na tempestade, depressa se apaga
e é maior depois a escuridão,
noite sem fim, vaga após vaga.
 
O amor a ninguém serve, e todavia
a ele regressamos, dia após dia
cegos por seu fulgor, tontos de sede
nos damos sem pudor em sua rede.
 
O amor é uma estação perigosa:
rosa ocultando o espinho,
espinho disfarçado de rosa,
a enganosa euforia do vinho.

11. De mares e Marias

(Rodrigo Maranhão)
 
Pode ser
Que a tarde pare pra ver mais uma vez
o sol perder-se no mar
Tu e eu
 
Pode ser
Que a noite queira dizer tanta coisa
Mais de uma vez
Eu sei, eu sei
Pode o amor passar
Ninguém saber

12. Poema dos olhos da minha amada

(Vinicius de Moraes)
 
Oh, minha amada,
Que olhos os teus:
São cais nocturnos
Cheios de adeus,
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe,
Longe nos breus.
 
Oh, minha amada,
Que olhos os teus!
Quanto mistério
Nos olhos teus;
Quantos saveiros,
Quantos navios,
Quantos naufrágios
Nos olhos teus.
 
Oh, minha amada,
Que olhos os teus!
Se Deus houvera,
Fizera-os Deus;
Pois, não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
 
Ah, minha amada
De olhos ateus:
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

13. Fado da vida bela

(Pedro Luís / Ricardo Cruz)
 
És musa de beleza sem limites
Permites que o poeta em mim não cesse
Consentes ao oculto aparecer
No tudo que ofereces quando existes
 
Beleza assim de musa tal qual trazes
Arrebata o tonto olhar de quem avista
E arrisca ter a vida
Por um fio
Mas perco-me num assobio
Porque a vida é dela
 
És musa de beleza sem limites
Permites que o poeta em mim não cesse
Consentes ao oculto aparecer
No tudo que ofereces quando insistes
Em me inspirar
 
Aquilo que o teu silêncio explica
O destino traz para mim em labaredas
Veredas
Onde somes da visão
Descompassam o coração
Mas a vida é bela.

14. Em quatro luas

(Aldina Duarte / António Zambujo)
 
À janela corre o tempo
Na memória o esquecimento
E a vontade de ficar
Em teus braços distraídos
Entreabertos nos sentidos
Do teu corpo a meditar
 
O desejo que esqueci
Dorme agora ao pé de ti
No teu sonho a murmurar
Guardo a luz da tua pele
Duas rosas, vinho e mel
Quatro luas sobre o mar
 
Volto atrás nesta viagem
À procura da coragem
Que renasce de te ver
No regresso da saudade
Eu encontro a felicidade
Que por ti vou aprender